25.8.17

A Lota

"Manhã. Redemoinho de névoa lá no largo; vão chegar as lanchas e os batéis. Uns atrás dos outros à bolina já os distingo muito ao longe. No areal todo de oiro secam redes encascadas, e entre os batéis varados formam-se grupos de mulheres que os esperam. Outras correm. Puxam pelos cabos das lanchas como homens ou carregam a caça que sai do cavername a escorrer. Dois, três barcos já na praia...(...) Mais batéis: é a força da sardinha despejada no areal. Mulheres acodem, o movimento aumenta e os gritos, os gestos, as atitudes imprevistas. Com os dedos metidos nas guelras algumas arrastam os cações sarapintados, as raias espalmadas, os congros ferozes, com a cabeça aberta pelo machado para não morderem a mão que os apanha. (...) – Treze vinténs! catorze vinténs! – o leilão.

Cheira a mar, a peixe e a fartum, e as mulheres curvam-se sobre a pesca e regateiam-na, enquanto em baixo os barcos despejam mais peixe vivo, toninhas, gorazes e a sardinha que começa a alastrar de prata todo o vasto areal. Duas mulheres, de perna, nua e saia arregaçada até ao joelho, engancharam um croque na boca de um peixe-cão e arrastam-no a custo para cima."

Os Pescadores - Raúl Brandão

Era assim no tempo de Raúl Brandão. A venda fazia-se diretamente quando o peixe era descarregado no areal da praia do peixe.

No meu tempo havia já a lota. Os pregões «peixe fresquinhoooo, peixe fresquinhoooo.... » das nossas pescadeiras na venda do pescado, ecoavam por aquele espaço junto à Fortaleza onde uma voz tentava falar mais alto que a outra, mas notava-se uma certa matreirice e um sorriso amigável quando conseguia suplantar nessa venda a amiga adversária.

No fim estavam todas de bem e não me lembro de ver ali, uma zanga séria entre as nossas poveiras.

Era nessa lota que a minha avó abastecia. De canastra à cabeça apanhava a camioneta até Gondifelos, depois ia vender de porta a porta, nem o padre escapava. (1)

Na vinda, trazia a canastra cheia de pão e verduras, quando vinha em excesso, distribuía na "Ilha do Padre" onde morava.

(1) - Chamavam-se "repeteiras" as mulheres que iam vender o peixe às freguesias vizinhas. Quase sempre eram mulheres dos pescadores, o que não era o caso do meu avô. Na minha família não houve ninguém que fosse pescador a não ser por casamento.


P.S. - Agradeço à minha irmã mais velha muito das recordações que aqui escrevo.

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