4.4.08

Santo André das Almas

Aqui e ali candeeiros de petróleo alumiavam a noite. Em horas tardias alguém deambulava pela então vila. Atrás de si um toc toc. Olha para trás nada vê. Estuga o passo mas o toc toc mantém-se cada vez mais perto. Pára por baixo de um candeeiro e eis, que a seu lado, aparece como vindo do nada um sujeito que lhe pede um cigarro.

Temeroso abre a cigarreira e pega num cigarro para lhe dar. Por momentos a figura do homem reflecte-se na cigarreira, ouve-se um estoiro, ele desaparece e um cheiro intenso a enxofre faz-se sentir. Era o demónio.

Santo André das Almas

Durante anos ouvi esta música sem saber a lenda que estava por detrás daquela ladainha. O som de lamúria cantada pelo Grupo Folclórico Poveiro adivinhava algo ligado a tradições dos pescadores poveiros.

Os pescadores acreditam que este Santo liberta as almas dos que se afogam no mar depois de um naufrágio. A Festa a este Santo é consagrada no dia 30 de Novembro. Na madrugada desse dia, homens e mulheres com lampiões, vão a pé pelo areal até a capelinha rezar a novena. Junto à capela há o Penedo do Santo que dizem ter a pegada do próprio Santo André.

Como Santo António também Santo André tem dotes de casamenteiro, as raparigas casadoiras levam uma pedrinha que atiram para o telhado da capelinha.

Vai pedra abençoada,
Para eu pró ano vir casada

Santo André uma pedrinha
Para eu pró ano vir casadinha

Se a pedrinha se mantém lá, é certo que a moça casa em breve e que no ano seguinte volta em romagem, já casada, se a pedrinha rola e cai do telhado, a esperança de casamento próximo desvanece. Há que tentar sempre, pode ser que na próxima a pedra fique presa e haja casório.

Esta é a lenda que não conhecia. Contada pelos meus ancestrais, a lenda tem outros contornos.

Em noite escura, grupos de homens e mulheres dirigiam-se para a pescaria. Ao atravessar uma ponte ouviam-se gargalhadas vindas do rio. Eram as bruxas que se banhavam nas suas águas (tinham hora marcada, era sempre à meia-noite).

E aqueles homens e mulheres habituados à fúria do mar, religiosos mas supersticiosos, de lampiões acesos, tremulentos, atravessavam a ponte tirando as fraldas das camisas para fora das calças (para afastarem os espíritos malignos) e cantavam:

Resgatai as almas,
Ó Pastor Eterno
Daquele lugar
Junto ao Inferno

E, assim, continuando a cantar, faziam com que as bruxas continuassem no seu banho e não lhes atormentasse a alma.


P.S. - Para confirmar esta versão indaguei se realmente em Aver-o-Mar existia uma ponte e um rio. A resposta foi afirmativa. Eis a explicação:

De facto essa ponte existe, mas, pela sua localização, nunca pôde ter servido para tal, visto estar sobre o Rio Esteiro, (hoje é mais um regato que outra coisa) na estrada municipal! Ora só era usada para se passar de Norte para Sul, quando o Mar enchia o Rio! Naturalmente que quem do norte ia para as praias do sul e vice-versa, tinha que a passar.

Obrigado Manuel!



A letra do Santo André das Almas cantada pelo Grupo Folclórico Poveiro

Resgatai as almas,
Ó Pastor Eterno
Daquele lugar
Junto ao Inferno

Alminhas da Moita,
Senhor do Calheiros,
Dai ao nosso barco
Quarenta milheiros

Santo André das almas,
Pedi ao Senhor
Que dê sardinhinha,
Pelo seu Amor.

Pelo sacrifício
Da sagrada Missa,
Não useis com elas
Da Vossa Justiça.

Resgatai as almas,
Ó Pastor Eterno,
Daquele lugar
Junto ao Inferno.

A nossa oração,
Senhor aceitai;
Os justos que sofrem,
Das penas livrai.




Os meus agradecimentos ao escritor José Azevedo que, para além de ter dado a indicação ao meu irmão que resultou certa de quem poderia ter a música do Santo André das Almas para fazer parte deste tema, prontificou-se a juntar o coro do Rancho da Lapa para cantar a ladaínha do Stº André e gravar-se a fim de ma enviar, ao responsável pelo Rancho Poveiro, Jacinto Sá, que emprestou o disco ao meu irmão para que, numa deslocação que fez nesta altura da Páscoa a Lisboa, eu o pudesse gravar, ao Manuel Lopes pelo envio da letra e imagens e pela informação adicional prestada. Para todos, especialmente para ti meu irmão, aquele abraço.