27.3.08

A Pascoela

  Na Pascoela (Segunda-Feira depois da Páscoa) era tradição fazerem um piquenique familiar em conjunto com outras famílias nas bouças e nos campos em Argivai. Nas cestas de verga da minha mãe e da minha avó, lá iam umas pataniscas, uns pastéis de bacalhau, um bom vinho para os mais velhos, uns pirolitos para os mais novos e assim se fazia o "Anjo" (a designação de "Anjo" veio do nome do campo onde tradicionalmente os poveiros faziam o piquenique em Argivai, e "Anjo" ficou para a posteridade).


  Bons velhos tempos, agora no sítio onde se fazia o "Anjo" está lá cimento e cada vez mais se afunda nos alicerces da construção, a tradição religiosa de um povo.

  O curioso disto é que os poveiros trabalham na Sexta-Feira Santa (feriado nacional) para terem a Segunda-Feira, trocam o sagrado pelo profano.

  Da última vez que estive na Póvoa a passar a Páscoa, o “Anjo” foi em Ofir, mas foram tantos os estragos causados no pinhal por quem não sabe viver em comunhão com a natureza que no ano seguinte foi proibido. Nesse ano fez tanto calor que até nas águas do mar de Ofir tomei banho.

  Em Luanda, a comunidade Poveira procurava manter as tradições e todos os anos lá íamos para o "nosso" Anjo. Na foto, embora não o pareça devido ao calor, lá estou eu (com o copo na mão), o meu primo Carlos e a família que não entrou nesta foto, a "picnicar" em mais um "Anjo".

26.3.08

O Jogo da Péla

  O jogo da péla é um jogo tradicional poveiro. Consiste na formação de dois grupos com número igual de rapazes e raparigas. Os chefes de cada grupo começam a escolher e como cavalheiros que são começam pelas raparigas.

  Formadas as equipas, os que menos jogam são, como é óbvio, os últimos a serem escolhidos, mas, como sói dizer-se, os últimos são sempre os primeiros e é sempre por estes que o jogo começa. Se tiverem "azar" ficam logo eliminados à partida.

  Os chefes de cada grupo oferecem os pontos para os que ficam em cima a jogar e os que ficam em baixo a defender.

- Dou-te um
- Dou-te dois
- Dou-te três
- Vou com os quatro para baixo

... E lá vão eles!

(familiares meus a jogarem à "péla")

  Os de cima começa a pedir o primeiro ponto do el enquanto os de baixo quando vão para cima já levam os pontos que foram combinados à partida. Lançam a péla, se os de baixo a apanharem o que a lançou fica logo fora, se a péla cair ao chão, o mais destro dos de baixo tenta acertar na cachola, se o conseguir lá fica o jogador dos de cima de fora, se não acertar, conta o que joga um ponto para o seu grupo.

  Depois do Mirolho (o mesmo que vesgo, estrábico), o jogador que lança a bola verifica se há possibilidades do grupo de baixo não apanhar a péla e tenta enviá-la para o mais longe possível pelo ar. Claro que os de baixo estão dispersos para verem se conseguem apanhá-la antes da mesma cair ou então que fique o mais perto da cachola.

  As raparigas que estão perto da cachola quando os de baixo tentam acertar lá os vão “provocando” com: «Serrubica, a cachola tem uma bica» ou «Olha essa mão, que me não leve em vão»

  E conforme os grupos vão lançando lá vão dizendo:

«Primeiro!... Senhor do Cruzeiro!... Come a carne e deixa o carneiro!»
«Dois!... Pega na varinha e vai picar os bois!»
«Três!... Santa Inês! Nunca lhe dês senão uma vez!»
«Quatro!... Um bocado de pão bolorato!»
«Cinco!... Um brinco!»
«Seis!... Panela velha toca os reis!»
«Sete!... Um canivete que te espete!»
«Oito!... Um biscoito!»
«Nove!... Dá esmola ao pobre!»
«Dez!... Dança com os pés!»
«Onze!... Um bocado de pão de bronze!»
«Doze!... Acabar o él!»

  E aos gritos do nome de quem vai atirar à cachola lá vão dizendo, apontando para o desvio da dita, «Olha que por aqui e por ali também é caminho».

  Depois é uma algazarra quando os grupos se cruzam no mudar de lugar

  E assim os poveiros vão passando a tarde à espera do compasso. Hoje vêem-se grupos pequenos aqui e ali. Ainda joguei à péla há uns anos atrás na Rua dos Ferreiros com a minha tia, irmãos e primos.

  São estas tradições que se deveriam manter. Não vem nenhum mal ao mundo jogar à péla. Só os poveiros é que têm dentro deles a alma e o querer em serem Poveiros. Mesmo longe é grato saber que nunca a Póvoa é esquecida.

Obra consultada: «O Poveiro» de A. Santos Graça

19.3.08

A Minha Páscoa

  Na "minha" Páscoa, o "compasso" ia de porta em porta dar a notícia da ressurreição (penso que hoje é só quem o solicita) com uma cruz florida. Depois de se beijar a cruz, havia sempre algo de comer e beber na mesa, ou um envelope contendo algum dinheiro para ajudar a confraria.


As batinas dos padres na Páscoa

 A Confraria da Nossa S.rª da Lapa é verde e branco, a da Matriz é branco e vermelho e de São José é azul e amarelo... são da mesma cor dos bairros com que se celebram as festas do São Pedro no Verão e que portanto levam a algumas piadas bairristas engraçadas!

  Enquanto se espera pelo compasso, as famílias competiam na "Péla", o jogo tradicional poveiro, que consiste em lançar uma bola e o grupo que a apanhar tenta acertar na "cachola" que não é mais que um banco levantado. Cada grupo que acertar ganha pontos e, ao mudar, aquilo é um fartote de riso pois tentam enganar uns aos outros dizendo mais pontos do que têm na realidade.

  Muito joguei na Rua do Século, na rua Dr António Silveira nos meus tempos de menino.

- Dou-te um
- Dou-te dois
- Dou-te três
- Vou com os quatro para baixo.


  Os afilhados iam à casa dos padrinhos buscar o folar (no meu tempo era um pão-de-ló ou uma rosca que levávamos ao pescoço, caso fosse grande, ou enfiada no braço) e assim se fazia a festa da Ressurreição do Senhor.

Esta tradição da rosca tem origem na sigla romana SPQR (Senatus Populusque Romanus) que o poveiro traduziu literalmente para S-Senhor, P-Padrinho, Q-Quero, R-Rosca.



Saí da Póvoa muito novo mas recordo com muita saudade o meu Padrinho, o Mário "Carcereiro". Era um Padrinho 5* e penso que se a tradição se mantém, o domingo de Páscoa é um dia muito feliz para a petizada e para os Padrinhos que os recebem em sua casa. Há tradições que se deviam manter e esta é uma delas.

17.3.08

Procissão do Enterro do Senhor

  Esta Procissão, também chamada Procissão do Senhor Morto, realiza-se na noite da Sexta-Feira anterior ao dia de Páscoa. Esta procissão era para mim um temor pois os "Forricocos", com os capuz a cobrir a cara, os fogaréus, as matracas a rodar, aquele ar pesado da Procissão com as suas cores de preto e roxo, o tom fúnebre e silencioso cortado aqui e ali pelos cânticos pelos grupos corais faziam qualquer puto como eu, na época, não ficar lá muito “católico”.


  Era ali ao pé da Capela de S. Tiago que ainda há poucos anos eu, como toda a família, assistia à passagem da Procissão. Como pouco conhecedor das tradições poveiras era a minha Mãe que me chamava a atenção para este ou aquele pormenor entre eles, o cantar do "Miserere".

  A Procissão do Senhor Morto é da responsabilidade da Confraria do Senhor, da Igreja Matriz. Os Mesários da Santa Casa com os seus balandraus (capas pretas de seda ou cetim), os farricocos, com os seus hábitos negros de capuz a cobrir a cara, os fogaréus, o ruído das matracas, conhecidas também por cabarnelas, as lanternas, o bater compassado das varas, o andar vagaroso e solene e, junto à Capela de S. Tiago, é cantado o "Miserere" pelo grupo coral "Capela Marta" em homenagem ao seu fundador, Alberto Marta, fazem desta procissão um dos pontos altos da Semana Santa na Póvoa de Varzim.

  O andor do Senhor Morto é conduzido pelos clérigos mais novos.

  Aqui ficam algumas imagens da Procissão deste ano. Agradeço ao meu irmão e sobrinha o envio das mesmas.



10.3.08

Póvoa de Varzim - Anos 60

Póvoa dos Anos 60, a Póvoa dos meus tempos de criança. Por certo muitos irão recordar rostos e locais que ficaram na memória dos tempos idos. A filmagem não é muito nítida mas por ela passaram, assim como por nós, muitos anos. Espero que gostem!












2.3.08

Póvoa de Varzim

Poveirinhos! Meus velhos pescadores!
Na água quisera com vocês morar:
Trazer o grande gorro de três cores,
Mestre da lancha deixem-no passar!

Lanchas da Póvoa, que ides à sardinha,
Poveiros, que ides para vinte braças,
Sol-pôr entre pinhais…
Capelas onde o sol faz mortes, nas vidraças!
Onde estais?

António Nobre


 Varzim deriva do vocábulo romano-lusitano Euracini que, segundo o investigador Viriato Barbosa, era o senhor ou proprietário do solo em que hoje está situada, total ou parcialmente a Póvoa de Varzim.

 Devido a alterações linguísticas através do tempo, de Euracini se formou a palavra Varzim.


 A Póvoa começou a ser uma pequena enseada, com uma colina adjacente, no lugar onde hoje se encontra a Igreja Matriz. Aqui se desenvolveu um centro de pescarias que, de uma situação de relativa pobreza – em 1870, o bairro piscatório, com ruas de terra batida, era constituído por simples «casinholos de madeira de pinho», com leitos de bancos ou beliches, tendo a lareira como peça fundamental –, se veio a transformar nos inícios do século XX, na maior concentração de pescadores do norte.

 Em 1308, D. Dinis deu o foral à vila de Varazim de Juzaão.


 Adquiriu a categoria de município em 25 de Novembro de 1514, e a sua autonomia foi concretizada no reinado de D. João III, quando foram construídos os primitivos Paços do Concelho.

 Assim “nasceu” a minha Póvoa.

 Nasci no Bairro da Nova-Sintra. Calcorreei as ruas da Póvoa somente durante 9 anos.

 As memórias desse tempo, levei-as para terras de África. Lá, os poveiros, faziam das tradições levadas um ponto de honra e, todos os anos, ali estávamos a fazer o «Anjo», e muitos leilões se faziam para ajudar o clube da nossa terra.

 No Brasil, a comunidade poveira também é enorme e sei que, como nós em África, levaram a Póvoa dentro de si e muito dinheiro da emigração foi aplicado na construção civil. A partir de 1947, época do 1º plano de urbanização da vila, até 1965, data da construção do primeiro edifício de quatro pisos, assistiu-se ao crescimento urbano imparável da nossa Póvoa.

 Hoje a Póvoa é, sem sombra de dúvidas, uma cidade voltada para o futuro. As ruas andam esventradas? O trânsito está caótico? É o preço do desenvolvimento. Depois das obras feitas e do trânsito regularizado tudo será esquecido e a Póvoa será sempre aquela cidade que o Poveiro esteja onde estiver a terá no coração.