22.12.18

Natal - Anos 70

Era tradição na minha terra, no dia de Natal, comer-se no chão. Já vinha dos tempos imemoriais. Com o tempo foi-se perdendo esta tradição embora ainda há quem resista e continue a fazer como os seus antepassados.

NATAL

O Natal é uma época marcante na comunidade piscatória da Póvoa de Varzim. Tempo de encanto, de alegria e tradições muito próprias, de grande significado para a gente do mar.

Ainda o Natal vinha longe e já o rapazio se perdia na compra de bonecos de barro (chamados de pastorinhos), recolha de musgo (conhecido por burriço) pelos muros, confeção de castelos, pontes e moinhos de papelão, peças indispensáveis para um presépio que levava a semana inteira a ser montado, geralmente no quarto da frente, perto da janela virada para a rua, para que toda a gente do bairro o admirasse.

Depois, em grupo, os miúdos vizinhos ensaiavam no fundo do quintal as Cantigas ao Menino ou Versos ao Menino Jesus (não era vulgar chamar-se Cantar as Janeiras), com reco-reco, ferrinhos, castanholas, pinhas secas, pandeiros e testos. Eram os preparativos para a noite de consoada ou noite de ceia (Natal) onde toda a família se reunia, esquecendo zangas ou divergências antigas.

A ceia, uma mistura de prazer da mesa e culto religioso, era um festival permanente de boa disposição, de cantorias e recordações. Lembravam-se vivos e mortos, com algumas orações a preceder a refeição maior.

Para o pescador poveiro, na noite de consoada, o ruivo e o peixe seco eram pratos «obrigatórios». Toda a gente comia no chão e geralmente na cozinha, onde a lenha do fogão servia de aquecimento central.

O Pai Natal era, ainda, um desconhecido e a troca de prendas não entrava nos hábitos da gente da pesca. De árvores enfeitadas, não há qualquer testemunho.

Para os mais novos a grande prenda era a sobremesa. Esperavam, com ansiedade, os pratos de aletria e rabanadas, doces típicos (e únicos) do Natal poveiro. No final, distribuíam-se figos, nozes e pinhões, complementos indispensáveis na Ceia do Senhor, utilizados no jogo do rapa, disputado em grande algazarra por toda a família.

Acabada a Ceia, os grupos de Cantigas ao Menino, muitas vezes acompanhados por familiares, percorriam o bairro cantando de porta em porta. Em cada paragem perguntavam: - Vai ou não vai? Se alguém respondia «vai», ouvia-se, de imediato, o «concerto» de ferrinhos e reco-reco. Como recompensa, o dono da casa oferecia castanhas, figos, rebuçados ou algumas (poucas) moedas.

A Noite do Menino ou de Consoada prolongava-se até à Missa do Galo, última etapa de uma noite especial, plena de religiosidade, de encantamento e de alegria.

daqui:

https://www.cm-pvarzim.pt/areas-de-atividade/turismo/conhecer/as-nossa-raizes-1/historia/tradicoes?fbclid=IwAR1fAyRZ-jeipc1zRNyQ-7Np0ezEiYJZnQnyXLprhlyF-F9vYRS_ePgMtD8

4.11.18

Diário Illustrado - 27 de Fevereiro de 1892

Relato pormenorizado da Tragédia de 27 de Fevereiro de 1892.
In Diário Ilustrado - 01 de Março de 1982

Pesquisa e recolha de Carla Gonçalves

Revista "Occidente" - 27 de fevereiro de 1892

Toda a tragédia ocorrida no dia 27 de fevereiro de 1892, na Revista "Occidente" de 11 de março de 1892.

Neste naufrágio, morreram 105 pescadores.

Esta edição foi toda ela exclusiva não só à tragédia, como ao poveiro.


A atriz brasileira Cinira Polonia, referenciada no texto, como participante num recital para angariação de fundos para as famílias enlutadas

29.10.18

Cancioneiro Poveiro

"Um povo sem memória, é um povo sem história"


O cancioneiro Poveiro teria por força das circunstâncias, que ter o mar, a luta diária dos pescadores, a crendice, a fé e o amor, como mote principal. De uma simplicidade desarmante mas rica em pormenores, o nosso cancioneiro, é sem margem para dúvidas, um repertório de situações vividas pela gente do mar. No nosso folclore, essas quadras cantadas pelo nosso Rancho Poveiro estão lá evidenciadas, "Vamos ver a lancha nova" quando se pede a proteção da Senhora e dos anjos, "do mar que é casado, tem mulher, e bate nela quando quer", do "E um abraço, e um abracinho, ora aperta amor aperta" e tantos mais que fazem parte do nosso cancioneiro.

Lembro-me de quando os pescadores chegavam a terra diziam quando viam a mulher depois de longa ausência: "Ah "faneca"! e quem ouvia dizia para ela com um sorrisinho maroto: «Hoje o teu óme quer "combersa".

Nessa noite o cancioneiro seria mais:

"Deitei-me na tua cama,
Teu lindo rosto beijei;
Já logrei o que queria
Agora descansarei."

Outras mais:

Quero viver e morrer
Num apertado abraço;
Como nas ondas do mar,
Lá vive e morre o sargaço.

A vida do marinheiro,
É uma vida triste e dura,
Pois toda a vida trabalha,
Em cima da sepultura

Nas ondas do teu cabelo,
Vou-me deitar a afogar,
Para que o mundo saiba;
Que há ondas, sem ser do mar.


fontes consultadas: "O Poveiro" de Santos Graça e "Linguagem Popular e Cancioneiro Poveiro" de Júlio António Borges

... E aqui fica o último vídeo que gravei do nosso Rancho Poveiro.


27.10.18

Póvoa de Varzim em 1952

Encontrar um vídeo da minha terra do ano e do dia em que nasci (15 de agosto, dia da Nª Sª da Assunção que se vê nesta filmagem e encerra o filme) e, numa sorte incrível, o bairro onde nasci, o Bairro Nova Sintra é, sem dúvida, formidável.

Tudo o que o vídeo mostra faz parte dos meus tempos, pois foi neste ambiente que cresci. Depois a vila/cidade modernizou-se e, desta Póvoa, só restam estas lembranças.

26.10.18

O "Ressuscitado"

João dos Santos Pereira Marques e a sua mulher Aurora, A-dos-Assobios, morava na ilha onde morei durante um ano, a Ilha do Padre. A casa deles era do lado da Rua Cego do Maio, mesmo à entrada da Ilha. A Ilha fazia "ligação" com a Rua Dr. António Silveira pela casa do meu avô e da minha avó, Benjamim Lopes da Conceição e Arminda Dias, e da do tal padre que deu "nome" à ilha.

Ficou-lhe a alcunha de "ressuscitado" porque numa noite, a catraia onde ele seguia «Tememos a Noite», soçobrou durante uma tempestade. Três dias se passaram, todos os restantes pescadores foram dados como perdidos. Mas uma silhueta recortava-se no mar quando o barco do mestre Zé Alardo estava no mar. O filho viu uma bóia a bombordo, perdida, «Mude de rumo - disse ele ao pai - que há ali qualquer coisa.» Era o João Caramelho.

O corpo estava carcomido pelos peixes e caranguejos. Com o corpo em chagas e com uma multidão na praia aguardava-os (avisados pelo Manco do Vermelho que tinha regressado antes), para verem tamanho "milagre" e tocarem no Ressuscitado. Este foi para a Casa dos Pescadores, onde permaneceu algum tempo, regressando à Ilha do Padre, onde a minha querida avó acabou de o tratar e dando parte do que trazia das aldeias onde vendia o peixe, ajudava o casal na hora do infortúnio.

O João Caramelho, o "Ressuscitado", faleceu em fevereiro de 1972.

fontes consultadas. "Histórias do Mar da Póvoa" de José de Azevedo, e a minha irmã mais velha, São, que sempre viveu na Ilha do Padre com os meus avós.

foto: Associação Poveira de Colecionismo

Cegos papelistas

(isto faz parte da cultura de dois povos, o nosso e o da Galiza)

Já aqui tinha contado o que via quando, era ainda uma criança, na terra onde nasci. Uma senhora, cega, agarrada ao braço do seu companheiro, cantava canções de faca e alguidar, do homem que trocou a mulher por uma bicicleta, de uma criança com cara de cão, da mulher que arrancou o nariz do marido pois este era velho e, na noite de casamento, em vez de aquecer a moça, ficou-se "enrodilhado" com frio, a mãe que matou os três filhos à machadada; a costureira que descobriu que o noivo a enganava e se matou no dia do casamento; a Maria da Graça que foi enganada pelo Manuel Celestino e atirou o filho recém-nascido para o telhado; o coveiro de Pínzio que desenterrava os mortos para lhes tirar a roupa. Enfim era uma "desgraçadeira" para quem os ouvia que, puxando do lenço, fungavam o nariz, limpavam os olhos marejados e era nessa altura que os folhetos com as canções, se vendiam.

Ai povo povo, que o sal das tuas lágrimas, alimentavam aquelas almas que ali desfiavam o rosário das misérias populares.

Eram todos "cegos", eram os cegos papelistas.

"Vem de muito longe a memória dos cegos papelistas que, por mercados, feiras e romarias, apregoavam casos estranhos, sucessos inauditos, virtudes hagiográficas e relatos noticiosos, às vezes prognósticos e adivinhações. (...)

Os cegos papelistas do século XVIII vendiam as histórias impressas em folhetos de papel barato, com letra miúda de má qualidade, por vezes com umas quantas imagens a alimentar o fascínio das palavras que contavam histórias em versos de pé quebrado, (...) Os cegos cantores do século XX seguiam a mesma receita, com as letras das músicas e as fotografias das estrelas do momento à mistura."(...)

[Texto de José Alberto Ferreira publicado originalmente com o CD "Canções do Ceguinho", editado em Maio de 2003]


Fica aqui um vídeo, "Casório divertido", de César Prata que em 2003 fez uma recolha destes cantares do tempo dos nossos avós e os gravou.



Fotos de ceguinhos e folhetos:


Cantores de rua

Todos os anos os via deambulando pela então vila de Póvoa de Varzim (cidade em 1973, através do decreto 310/73). Como era óbvio, via-os nos momentos de grande festejo na Póvoa, como era o da festa da Nª Sª de Assunção.

Ele com a viola, ela, cega, apoiava o braço direito no do homem e, na mão esquerda, levava muitas folhas bem elaboradas, com canções impressas que vendia a quem deles se abeirava para as comprar. A senhora tinha uma belíssima voz e, acompanhada à viola, cantava temas de desgraças e amores proibidos.

Era um choradinho que enternecia as almas de quem os ouvia. Paravam em locais onde houvesse muita gente, como no antigo Mercado Dr. David Alves, onde quase sempre estavam, mas também para os lados do Casino, local de referência de passagem de muitos turistas. A Póvoa nos anos 60 desenvolveu-se e já era uma vila de muito turismo, tanto pelas festas, como pelo mar.

Os poveiros são conhecidos pelos Lobos do Mar e esta era uma das canções. Ficou-me a letra na memória de tanto a ouvir cantar...

"Lobos do Mar

Numa praia de banhos, atraente,
Contente se banhava um rapazito,
Seu pai contemplara, alegremente,
A graça esfuziante do filhito.

O garoto sorria entusiasmado,
Mas nisto ouviu-se um grito lancinante,
Ele afastou se um pouco e foi levado
P'las ondas da corrente, apavorante.

Aos gritos aflitivos do pequeno
E ao ver dum pai extremoso a dor tão forte,
Um velho pescador, bravo e sereno,
Arrancou a criança ao seio da morte.

P'ra dar ao valoroso salvador,
0 pai tirou dois contos da carteira,
Mas, olhando-o de frente, o pescador
Não quis e respondeu desta maneira:

Tal dinheiro, senhor, longe de mim...
Meu nome não importa conhecer,
Porque os lobos do mar são sempre assim,
Não salvam por interesse, é por dever."

As lágrimas poveiras deslizavam pela singeleza, mas emocional letra. Os Lobos do Mar são sempre assim... rudes como o mar, mas sensíveis como crianças.

Podemos ouvir aqui este tema na voz de Frutuoso França


foto: três elementos junto ao Casino da Póvoa (anos 50), mas na minha época só vi dois.

24.10.18

Alma Poveira

Naufrágio, 27 de fevereiro de 1892

(morreram, nesta tragédia, 105 pescadores)

– ‘Não tentes o socorro, compadre, que morreis todos. Deus te guie e leve a salvamento! Leva o último adeus para as nossas mulheres e nossos filhos! Até à eternidade, compadre!’

O velho mestre João Praga levantou a mão num gesto de despedida mas não respondeu. Duas lágrimas rolaram-lhe pela face – mas ninguém mais lhe ouviu uma palavra. Leme bem firme, todo o dia e toda a noite até ao alvorecer do dia seguinte, em que entrou em Vila Garcia, na Espanha. Salvou a companha. Dois dias depois chegava à Póvoa, de comboio. Após a tragédia nunca mais comeu, nunca mais falou. Oito dias depois da sua chegada – morria! A grande dor de não poder salvar – matou-o!...”


imagem: mulheres poveiras esperando os barcos


28.9.18

Ó Laranja

A pedido de um Poveiro emigrado em França, tudo fiz para adquirir este disco pois nele constava o tema que esse nosso emigrante desejava, a "Sarrasquinha".

Para se ouvir os temas individualizados, basta clicar no "tempo" que se encontra à frente de cada um dos títulos.

Abraço para todos os Poveiros, que se encontram longe de sua terra natal, a nossa Póvoa de Varzim.

4.5.18

A nossa Câmara Municipal

Da autoria do engenheiro francês Reinaldo Oudinot, "um dos edifícios que logo captivam a attenção do viajante, ao entrar na villa, é, por sem dúvida, o dos paços do concelho. Está situado em uma bella praça, denominada do Almada, no centro da villa, e tem magestosa apparencia", conforme era descrita em 1868.

A azulejaria que lá vemos foi pela acção de Rocha Peixoto e patrocínio da família Bonitos de Amorim e da autoria do pintor belga Joseph Bialman.

Quando era garoto a Praça do Almada não é como hoje a vemos, mas muito aproximada. Jardim sempre existiu e já é do meu tempo a estátua a Eça de Queirós, ou seja foi lá colocada no ano que nasci.

Por ali se brincava e muito ia até à "cangosta" perto da Câmara, que dava acesso ao quartel, para lá ir pedir o famoso casqueiro, não que tivesse necessidade disso, mas porque o pão era mesmo delicioso.

Quando moramos na Fúnebre, essa "cangosta" era atravessada frequentemente pois a traseiras da Fúnebre dava para ela e algumas histórias irei contar sobre essa minha/nossa passagem por esse local.

A cangosta (do lado do quartel) que na época era em terra.


A nossa Câmara é linda, encontra-se classificada pelo IPPAR como Imóvel de Interesse Público desde 1974 e não sei se todos os presidentes que por lá passaram a mereceram, mas isso são outros contos que para aqui não interessam.

3.4.18

"Poveirinhos pela Graça de Deus"

A Póvoa de Varzim nas pinceladas de João Vaz.

“Donde és tu, lobo do mar?
Donde és tu, ó pescador?
De Portugal? – “pois num foste!
Sou da Pòiva, meu Senhor!”

António Correia de Oliveira

Antes de português, o pescador é da Póvoa.

Para Raul Brandão, “Aqui o homem é acima de tudo pescador.”, pescador que Antero de Figueiredo considera “... o valente campino do mar alto e das ondas de arrebentação...”

daqui:

https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.pt/…/povoa-de-varzim…

Nas pinturas podemos ver a Lancha Poveira do Alto, lancha única no país e que segundo o arquitecto Lixa Filgueiras e Raul Brandão, a lancha poveira é derivada do barco drakar viking.

Não é por acaso que grande parte dos nascidos em épocas transactas (agora há miscigenação e perdeu-se essa caraterística), éramos loiros e de olhos claros que era o meu caso.

29.3.18

Póvoa de Varzim - 1962

Filme sobre a Póvoa de Varzim de 1962